Os Últimos Dias em Chicago

 

                    

Chicago foi meu lar por alguns anos, e enquanto me preparo para partir, sinto um profundo sentimento de gratidão. Embora os invernos frequentemente fossem frio demais para o meu gosto, a beleza da cidade nunca deixou de me surpreender. Da janela do meu apartamento, eu podia ver a imensidão do Lago Michigan, cujas águas mudavam de cor conforme as estações — azul profundo no verão, cinza prateado no inverno. A vista foi minha companheira silenciosa, uma fonte de calma tanto nos dias felizes quanto nos difíceis.

Empacotar minha vida em duas malas pareceu surreal. Cada item cuidadosamente dobrado carregava um pedaço da minha história, mas percebi que as verdadeiras memórias viviam dentro de mim, não nas coisas que possuo. A França me espera, com suas promessas de novos começos, e tudo o que possuo pode ser levado comigo nas mãos. Parece certo, até necessário, recomeçar sem o peso físico da vida que deixo para trás.

Chicago me proporcionou memórias maravilhosas. A cidade tem uma alma antiga, escondida por trás de seu skyline moderno. Em certos bairros, as ruas de paralelepípedo, os prédios históricos e as vielas estreitas nos fazem sentir como se tivéssemos voltado no tempo. Caminhando por essas áreas, muitas vezes imaginei como seria a vida há um século — as charretes, os mercados movimentados, os primeiros dias da era do jazz. Chicago preserva seu passado com orgulho e, de muitas maneiras, também me moldou, lembrando-me de que cada lugar e cada pessoa carrega uma história rica e cheia de camadas.

A cidade é vibrante, viva com uma infinidade de restaurantes oferecendo sabores de todos os cantos do mundo. Nunca precisei ir longe para experimentar algo novo — um prato brasiliero para matar a saudade em um pequeno reataurante escondido numa rua lateral, um jantar italiano cinco estrelas na rua principal, ou uma simples tigela de pho em uma noite fria. As pessoas de Chicago eram tão ricas em caráter quanto sua diversidade culinária: acolhedoras, diretas, resilientes e sempre prontas para oferecer um sorriso ou uma palavra. Nunca me senti isolada aqui, pelo menos não pela comunidade ao meu redor.

Cada mês trazia novas oportunidades de entusiasmo. Festivais celebrando de tudo, da gastronomia à música e às artes, mantinham a cidade pulsando. O verão, especialmente, era um sonho — longas tardes à beira do lago, concertos gratuitos nos parques, festivais de comida enchendo as ruas com aromas irresistíveis. Mesmo no inverno, quando o ar congelava a respiração, havia uma magia especial na forma como Chicago se vestia para as festas, com luzes cintilantes e mercados natalinos cheios de alegria.

Ainda assim, nos últimos anos, uma voz silenciosa dentro de mim ficou mais alta. Apesar da energia da cidade, uma profunda solidão começou a invadir minha vida. Amigos se mudaram ou se distanciaram, e meu próprio coração passou a desejar algo diferente. Passei vários anos buscando uma resposta — para onde eu poderia ir? O que eu realmente queria para este novo capítulo da minha vida? Viajei, pesquisei, sonhei e refleti. Aos poucos, percebi que mudar para outro país não era apenas o desejo por uma nova paisagem; era um passo em direção a uma vida mais plena e rica.

A França, com seu ritmo mais tranquilo, seu foco na qualidade de vida e seu profundo respeito pela cultura e pela comunidade, me chamou de uma maneira que nenhum outro lugar chamou. Imaginei dias passados em mercados ao ar livre, tardes em pequenos cafés, finais de semana explorando galerias de arte, jardins e vilarejos no interior. Visualizei novas amizades, novos hábitos e a redescoberta da alegria nos pequenos rituais do dia a dia. Mais do que tudo, sonhei em me sentir conectada novamente — às pessoas, à vida, a mim mesma.

Sentada no meu apartamento quase vazio, sinto uma dor agridoce. Vou sentir falta de Chicago — de sua atmosfera mística, de seu povo generoso, de sua beleza em constante transformação. Mas meu coração está leve, cheio de esperança pelo que está por vir. Amanhã, embarcarei em um avião rumo a Paris. Com duas malas e uma mente cheia de memórias, estou pronta para me despedir da vida que conheci e abraçar a vida que me espera do outro lado do oceano.

Chicago foi um capítulo lindo. A França será um novo começo.

Comments